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Justiça por liberdade

 

 

Por: Evaniely dos Santos

 

 

O Núcleo de Presos Provisórios e Vítimas de Violência, da Defensoria Pública do Ceará, fica abrigado num pequeno prédio verde que poderia se confundir com um patrimônio histórico de Fortaleza. Um ambiente aparentemente calmo, familiar, com pequenas mesas, cadeiras, brinquedos e livros paradidáticos. Imediatamente me pergunto: por que um ambiente voltado para crianças dentro de um núcleo de presos provisórios e vítimas de violência? Logo a resposta aparece ao entrar pela porta. Uma bela mulher, com descendência africana, de vestes simples, com cabelos entrançados da raiz as pontas que alcançavam o quadril, com sorriso carismático, mas com olhos de preocupação pelo atraso e em seus braços um pequenino que aparentava ter dois anos. Ambos pareciam estar familiarizados com o ambiente e com os funcionários que recepcionavam a criança com alegria. Um defensor público vai ao seu encontro e logo saem para uma audiência que poderia trazer justiça para o caso que acompanhava.

Enquanto aguardo, entram algumas pessoas, dentre estas, uma mulher que solicita um defensor para soltar seu irmão por agredir a esposa. Angustiada, ela pedia ajuda e demonstrava não entender a razão do surto psicológico do irmão, alegando que ele era cidadão, calmo, trabalhador e sem antecedentes criminais. 

 

Depois de observar o ambiente, encontro a defensora pública Gina Kerly Pontes Moura. Uma simpática mulher, mas com o olhar de quem já aprendeu a conviver com os casos da (in)justiça.  O NUAPP assiste a 72% dos familiares com pessoas presas provisoriamente pegas em flagrantes ou aguardando o processo criminal. Algo que repercute, segundo a defensora, na superlotação dos presídios. No Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, por exemplo, são abrigadas 652 presas, quando o prédio tem capacidade máxima de abrigar 374 mulheres. 

 

 

 

 

Para a defensora, o aprisionamento das mulheres é o mais sentido pela sociedade. A ausência feminina tem grande efeito no cenário familiar e socioeconômico. Gina relembra um caso que acompanhou: uma moça com dois rapazes de classe média foram absolvidos após serem flagrados distribuindo LSD, enquanto sua cliente, por ser negra, pobre e da periferia, foi presa por portar apenas 25 gramas de maconha." O descaso da justiça para pessoas com esse perfil, ultrapassa a percentagem de 50% da população", afirma. A defensora lembra já ter entrado com pedido de habeas corpus para uma pessoa que furtou um real e dez centavos. 

 

Segundo Gina, o problema não se resume a quantidade de pessoas atrás de celas, mas também a falta de defensores envolvidos no andamento dos processos. Acompanhando a conversa, observo Gina com firmeza afirmar que "enquanto defensores, nós buscamos dar assistência a todos, seja individualmente ou por meio de mutirões".  Um outro problema destacado por ela é a ressocialização. "Como ressocializar o detento? Se já não existem vagas suficientes para abrigá-los, a disponibilidade de cursos e empregos dentro dos presídios são ainda menores", alerta.

 

Diante dos casos relatados, pergunto: podemos dizer que a justiça é cega? "Não. A justiça tem olhos e ouvidos bastante aguçados, porém ela é criteriosa e identifica quem verdadeiramente quer atingir. Assim concluímos que as pesquisas não devem analisar apenas o perfil de quem é preso, mas o perfil de quem tem o poder nas mãos", declara.

 

Ao finalizar nossa conversa, a defensora explica através de um quadro que está preso a uma parede da sua sala, como é a realidade do sistema judicial no Brasil. “Eu tenho um juiz que é martelo e um réu que é prego, dentro desse contexto, a acusação seria aquilo que fura mais, que deseja que o prego afunde e a defesa seria o alicate, que tira o prego da situação. A justiça coloca o prego numa situação de passividade, que está apenas à espera de levar uma porrada. É uma justiça que infelizmente não constrói, apenas destrói”, conclui.

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