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Justiça na terceira idade

O núcleo do idoso da Defensoria do Estado do Ceará cuida de casos dos mais variados temas envolvendo cidadãos da terceira idade

Por: Lorena Pio

Envelope pardo sobre o colo, cheios com documentos e papéis colocados juntos por um clipe, a senha na mão. “Será que hoje resolvo meu caso? ” É a cena que se repete na Defensoria do Estado do Ceará. Todas as manhãs, quando as portas são abertas, as cadeiras verde-musgo do prédio, na rua Nelson Studart, são preenchidas com mulheres, homens, idosos, mães, pais, em busca de seus direitos.

Por atender aqueles que não podem arcar financeiramente com um advogado, na Defensoria pode-se encontrar casos dos mais variados desde a solicitação de equipamento médico até apropriação de terras. Pela variedade de demandas, a Defenderia é dividida por núcleos. Cada setor atende a um tipo especifico de ação judicial, como o núcleo do consumidor,que cuida de casos envolvem as relações de consumo.

Entretanto, há um núcleo especial que atende diferentes demandas jurídicas, como médica e moradia, que tem em comum o fato de serem relacionadas a pessoa com idade acima de 60 anos, é o núcleo do idoso. Criado em 2009, o núcleo foi inaugurando em conjunto com a campanha “Idosos: Nós Defendemos”, realizada pela Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará e a Defensoria Pública do Estado do Ceará. Esse setor vem atender uma parcela crescente da população. O Brasil está se tornando um país de idosos com cerca de 28 milhões de pessoas acima dos 60 anos, o número de pessoas que alcançaram a terceira idade já chega a 13,7% do total de habitantes do país, segundo o IBGE.

 

Segundo a supervisora do Núcleo do Idoso, Ana Carolina Neiva Gondim Ferreira Gomes, cerca de 30% dos assistidos pelo Núcleo Central de Atendimento são idosos. Os defensores que escolhem trabalhar com esse núcleo sabem que precisam ter uma atitude diferenciada. Não apenas pelas multiplicidades de demandas, mas também pela forma como tratar esses cidadãos que, pela idade avançada, necessitam de uma atenção especial.

 

Dia 31 de outubro. O segundo dia da visita de nossa equipe a Defensoria. Funcionários tinham um trabalho extra nesse dia. Todos estavam ajudando a organizar o ambiente para um evento destinado a um núcleo em especial, o dos idosos. O evento “Saúde dos Idosos” teve como objetivo conscientizar as pessoas da terceira idade sobre os seus direitos. Para esta ocasião, um café da manhã foi preparado e o ambiente foi alegremente decorado com balões verde-claro que deram um ar descontraído ao lugar. “Hoje tem até comida. Ainda bem que não comi ainda”, comenta uma mulher ao pegar um pedaço de bolo da mesa redonda próxima a janela.

Envelhecendo com a ajuda da família

Perto da mesa redonda com o café da manhã, estava Maria das Graças do Nascimento, 68, tentando escolher entre um pedaço de bolo simples e um com chocolate. Com uma voz baixa e falha, Maria das Graças aproveita o momento de descontração enquanto espera ser chamada para a sala com a placa que diz “idosos”.

Diferentes de outras pessoas que estão esperando atendimento, ela não está em busca de algo para si, e sim para sua sogra. Com 92, a mãe do marido de Maria das Graças não pode mais se locomover e passa seus dias em uma cama e por isso a nonagenária precisa utilizar fraudas geriátricas e é justamente o que Maria foi buscar na Defenderia.

O governo federal, através do programa Farmácia Popular, disponibiliza fraudas geriátricas com desconto. Para requerer o pedido de abatimento do preço é necessário ter a partir de 60 anos de idade, apresentar receita ou laudo médico válido, documento com foto e CPF. Mas para uma família como a de Maria, mesmo um produto com desconto se torna uma grande despesa para a casa.

Segurando um copo descartável com café preto, Maria conta que todos da família ajudam a cuidar de sua sogra. Por que, com o salário mínimo que eles ganham não sobra dinheiro para contratar um cuidador, nas palavras de Maria “pagar uma pessoa para cuidar de um idoso é caríssimo”.

Até o dia da entrevista, Maria das Graças ainda não teve sua solicitação atendida.

 

Uma casa e sua senhora

Ao redor da mesa com o café da manhã especial, aglomeravam-se algumas idosas. Elas papeavam sobre o porquê daquela comida naquele dia. “Deve ser aniversário de alguém”, uma delas comentou. Entre elas, uma se destacava. Com uma voz alta e uma risada contagiante Irene Rodrigues de Sousa, 69, foi a Defensoria por uma causa peculiar. Após mais de 30 anos morando em um terreno no bairro Joaquim Távora, ela correu o risco de perder sua casa.

A história de Irene e sua casa começou em 1984, quando seu marido recebeu o imóvel da companhia farmacêutica na qual trabalhava, em pagamento de uma dívida de mais de 60 mil reais. Irene, o marido e dois filhos viveram neste terreno por mais de três décadas, até que a alguns meses receberam a visita de  um oficial de justiça com uma carta solicitando a desapropriação do imóvel, já que o terreno iria a leilão para cobrir as dívidas que a empresa possui com antigos empregados.

Valendo-se do direito a usucapião, Irene busca da Defensoria a anulação do leilão e posse legal do terreno. O usucapião é utilizado por pessoas que moram a muito tempo em um determinado terreno, mas que não tem posse legal do lugar.  “Eu não vou dar de graça não. Eu vou lutar pela minha casa”.

Apesar de um caso sério, Irene não se deixa abalar. Demonstrando bom humor e otimismo com seu caso, ela conta como é a vida na casa, que pode não ter seu nome na escritura ainda, mas que ela e seu marido construíram um lar. Ao longo de 30 anos morando neste terreno, Irene e o marido reformaram e aumentaram a casa e conquistaram amizades por toda a vizinhança.

Entre um pedaço de bolo e uma risada, Irene comenta o quanto é bem atendida pelos funcionários da Defensoria que, inclusive, a ajudaram a conseguir a aposentadoria enquanto realizava os procedimentos para entrar com os recursos pela casa. “Se tiver outro caso, eu ainda venho me socar aqui para merendar bolo de novo”, brinca.

Até o dia da entrevista, o processo de Irene ainda estava em andamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Envelhecer custa caro

Longe da agitação causada pelo café da manhã, estava um senhor vestido de bom humor e uma camisa azul. Apesar de ser conhecido dos profissionais que trabalham na Defensoria pela sua habilidade de fazer qualquer um rir, José Miramar Pereira mostrou um lado diferente durante a entrevista.

Com o passar dos anos, manter a saúde fica cada vez mais difícil. A idade começa a pesar e o corpo se torna mais frágil e propenso a doenças. E é na fase em que mais se precisa de recursos médicos, que estes se tornam mais caros.

José tem um problema de coagulação do sangue, condição essa que o deixou 24 dias hospitalizado. Para controlar o fluxo sanguíneo, José testou inúmeros remédios, mas apenas um se mostrou eficiente para controlar seu sangue. A notícia da descoberta do remédio que funciona com seu problema seria ótima, não fosse o preço. A caixa do Xarelton, comprido que ajuda o sangue a coagular, custa R$ 200,00.

José é de família humilde, aos 70 anos ainda precisa trabalhar para sustentar a família. Os filhos ainda moram com ele, mas a falta de emprego atingiu a família em cheio, apenas ele ainda permanece no emprego. O idosos é o ponto de apoio da família.

Enquanto conversamos, José começou a se mostrar decepcionado com a humanidade. Diferente do homem cheio de sorrisos do começo da entrevista, a essa altura, ele demonstrava tristeza ao falar sobre como as pessoas estão fúteis, como ligam mais para bens matérias do que para quem está ao seu lado e só pensam em tirar vantagem uma das outras. E foi nesse momento que José começou a chorar.

Não um choro alto, barulhento, perceptível. Era um choro de quem não quer ser visto chorando. Era um choro baixo, mas que soava mais alto que as conversas e o teclar no computador, naquela sala na Defensoria.

Mas a tristeza é uma emoção passageira na vida José. Logo depois de deixar os sentimentos de pesar saírem dele através das lagrimas, ele já começou a fazer graça com a equipe de jornalismo.

Até o dia da entrevista, José estava prestes a receber o medicamento.

São muitas histórias que passam os dias pelos corredores da Defensoria Pública do Ceará, todas em busca de algo muito importante e quem sem ela não existiria a sociedade, justiça.

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